Direitos autorais – uma reflexão

A cópia pura e dura, ou visivelmente “disfarçada” é uma violação ao direito autoral, igual quando se copia um texto ou uma teoria (os quais já tive muitos meus copiados, chegando a ver sites de academias de design de interiores que eram quase clones da minha). Sinceramente creio que primeiro se deveria tenta resolver estes casos amigavelmente, depois através da justiça.

Apesar de todo mal estar que este assunto provoca, temos que admitir que este costume de “seguir uma cartilha”, ou simplesmente de se inspirar em algo é centenário. Se voltarmos ao período do Renascimento, quando encontraram os textos de Vitrúvio sobre as bases da arquitetura clássica grega, e somado, naquela época, às descobertas das ruínas de várias cidades romanas, encontraremos o germe deste nosso hábito. Vários teóricos da arquitetura (não existia o design na época) propunham através de livros, manuais, manifestos, etc., como deveria ser a boa arquitetura em todos seus detalhes (vide os trabalhos de Alberti, Serlio, Vignola, entre outros, todos do século XVI). Ou seja, a arquitetura deveria ser realizada dentro dos cânones clássicos, com medidas, elementos ornamentais e proporções previamente definidos. Eles criam firmemente que não havia “salvação” para a arquitetura fora dos cânones.

Já se passaram 500 anos, e as novas tecnologias, novos materiais, a liberdade de criação, e o pensamento conceitual nos abriram possibilidades inimagináveis pelos teóricos renascentistas. E mais recentemente a internet possibilitou o acesso da informação a todo o mundo. Com ela, enviamos por email nossos catálogos digitais e publicamos as imagens nas redes sociais. De certa forma isto nos protege, porque dizemos abertamente que a propriedade é nossa, mais ou menos como escrever um livro com uma teoria desenvolvida por você, ou seja, quem fizer igual a partir daquele marco está utilizando um conhecimento desenvolvido por você. Seja o que for, temos atualmente vários dilemas ao mesmo tempo com os quais lidar.

Há o dilema de que conhecimento na era digital é para ser compartilhado. Estamos na era da cooperação. A informática é a grande responsável por este pensamento. Os softwares livres abertos são a testemunha viva de que um cria e compartilha; outro modifica e compartilha; outro acrescenta e também compartilha, e ao final todos ganham com um software muito melhor que o inicial, e ninguém se esquece de quem o modificou porque fica registrado no histórico das intervenções. E o mundo vai avançando.

Temos o dilema de que os produtos inovadores em design em geral são acessíveis a uma parcela muito reduzida da população e assim elitizamos o design, inclusive indo contra às ideias dos mestres William Morris e Walter Groupiou, os que tanto admiramos porque queriam viabilizar o bom design para todos. Porém nossos produtos mais fantásticos podem custar até um ano de salário de um trabalhador de classe média-baixa (este, que pode contratar os serviços de um decorador a baixo custo).

Há o tão antigo dilema de que nas universidades somos incentivados, e penso que é uma prática correta como estudo de caso, a estudar o que já foi feito, analisar e compreender todo o processo criativo, decifrar os códigos da inspiração do artista e inclusive a fazer releituras de suas obras; e depois levamos esta prática à vida profissional.

E por fim, o dilema de que já criamos tanto, que cada vez está mais difícil inventar ou inovar sem que se faça lembrar, nem que seja de longe, a outra criação já realizada por alguém. E acrescento que o homem contemporâneo globalizado vive as mesmas influências, e faz parte da mesma espécie, por isso somos propensos a repetir instintivamente muitos comportamentos que nos levam a ter ideias semelhantes em distintos lugares do mundo, mesmo nunca tendo tido contato anterior. Além disso, há certos desenhos que são muito simples em sua forma original, e muitas vezes é impossível fugir daquela simplicidade.

Um exemplo de como nos inspiramos e muitas vezes copiamos as ideias de fontes inesperadas, se pode ler neste artigo da Tok&Stok sobre os Irmãos Campana, “Design acessível: Irmãos Campana para Tok&Stock.

Reproduzo uma parte em que se fala sobre a Coleção Assimétrica:

“Quem nunca sonhou em ter em casa uma obra de arte ou peça assinada por um grande nome? Esse sonho pode se tornar realidade com a Coleção Assimétrica lançada dia 04 de maio com exclusividade pelos irmãos Campana, os designers brasileiros mais aclamados da atualidade.

A inspiração inicial do projeto foram mesa e banco feitos pelos irmãos para o projeto social gastronômico Reffetorio Gastromotiva, criado para as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016, onde houve a reutilização de madeiras que seriam descartadas durante a construção da obra do local.

“Vislumbrei uma coleção” diz Humberto Campana. “Pensamos nos móveis que os pedreiros fabricam de uma forma empírica, visando a maior utilidade”, completa Fernando Campana.”

(Design acessível: Irmãos Campana para Tok&Stock)

Poderíamos dizer que os pedreiros são os designers que inventaram estes móveis e que os Irmãos Campana deram a eles uma roupagem mais elegante, usável e comercial? Se sim, o que ganham os pedreiros? A Tok&Stock ganha bastante, e a dupla de designers também. Com este exemplo não quero menosprezar a capacidade de ninguém, mas sim trazer algum ponto de maleabilidade nesta questão da cópia, da releitura e da coincidência.

Chaise LC4, de Le Corbusier, projeta em 1928. Uma das cadeiras mais copiadas do século XX.

Como citei anteriormente, são dilemas demais para lidarmos com eles! É informação demais para nos iludirmos de que teremos total controle sobre ela! E muito pouca capacidade judiciária e base moral nos indivíduos para lidar com tudo isso. Então como fazer? Deixo esta resposta em aberto, me atrevendo a fazer apenas três contribuições a respeito.

A primeira, que é uma atitude que pode garantir a minimização futura de algum sofrimento, é reforçar os aspectos da moral e da ética que podem tocar o coração e mente das pessoas propensas a agirem de forma correta (porque sempre haverá uma porção que não se importa…o ladrão, por um acaso, não sabe que roubar é crime? Então por que o faz?). Ainda creio nos bons exemplos, e estas pessoas que têm a coragem de dizer que “não posso copiar este modelo porque tem direitos autorais” podem influenciar muitas outras, inclusive as novas gerações.  Há que se trabalhar muito com os estudantes e profissionais: com arquitetos, com designers, designers de interiores, decoradores, marceneiros e todo o grupo de profissionais de criadores, especificadores e executores que tem condições de quebrar o hábito da cópia, tratando de conscientizar estas pessoas sobre a questão do direito autoral. Como? Companhas de conscientização e conteúdo pedagógico nas universidades. Através das associações, sindicatos, conselhos profissionais, etc.

A segunda é fazendo nosso trabalho ainda mais visível. Se você tem a coragem de publicar um trabalho afirmando que é seu, quem ousar copiar tem que ter muita “cara dura” para isso, e não será bem visto na comunidade. E sabemos que há muitas “caras duras”, mas tanto outros terão vergonha e vão condenar abertamente as cópias descaradas. Ao identificar uma cópia, uma violação clara, deve-se acionar judicialmente (mas lembre-se que isso custa dinheiro, suor e lágrimas). Sabemos que quando a situação chega na carteira a coisa muda, dá medo. Os acidentes de tráfego não diminuem quando se aumenta o valor da multa?

A terceira é tornando nossos produtos, dentro do possível, mais acessíveis economicamente. Produtos exclusivos e caros são um reforço ao distanciamento cada vez maior entre as classes sociais, entre as pessoas. Somos tão amáveis nas redes sociais pedindo mais igualdade, mas adoramos estar entre a “elite”, disfrutando de coisas que poucos podem ter, exibindo nossas posses como detentores das bases do bom gosto (este bom gosto que muda como as fases da água). Usamos a exclusividade como ferramenta de exclusão. Esta é uma verdade, apesar de que não é o único motivo. E os que não podem ter o produto, mas querem ter o status, copiam, ou mandam copiar. E já está! Já sou “chic”.

Muitas áreas passam por este problema do direito autoral, de criar algo que em seguida outros fazem parecido e às vezes até melhor. Veja a área de informática. Não creio que haja setor mais sofrido que este. A publicidade e o marketing. A moda e tantos outros. A área de design não é diferente.

Anseio pelo momento em que alguém terá uma ideia resplandecente de paz sobre este tema do direito autoral, pois até o momento tudo me soa a desavenças. Tenho uma tendência a pensar mais como o pessoal da Tecnologia da Informação, que compartilha seu conhecimento com mais naturalidade, sempre citando a fonte de onde tudo começou, num processo de melhoria contínua para todos. Todo pensamento que tenho vai ao encontro das bases da moral e da ética, únicas armas realmente eficazes que teremos para conviver com esta questão num mundo tão populoso e tão globalizado, sem perdermos a saúde e paz lutando por algo que talvez não tenha solução, senão adaptação.

À esquerda, “Composição A”, de Piet Mondrian, 1920.
À direita, “Cadeira azul e vermelha”, de Gerrit Rietveld, 1923.
A cadeira foi criada propositalmente inspirada na obra de Mondrian.

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