Gernika – 26 de abril de 1937

Guernica | Pablo Picasso (Málaga, Espanha, 1881 – Mougins, França, 1973) | 1937 (1º de maio – 4 de junho) | Óleo sobre tela | 3,49 m x 7,77 m | Museo Reina Sofia, Espanha.

Em 26 de abril de 1937, em plena Guerra Civil Espanhola (1936-1939), a cidade de Gernika (nome originalmente em vasco) no país Vasco (comunidade autônoma ao norte de Espanha) foi bombardeada pelos exércitos alemão e italiano, em apoio ao bando sublevado contra o governo da Segunda República. O bombardeio foi considerado um experimento, um ensaio para a 2ª. Guerra Mundial, que explodiria dois anos depois (1939-1945). Este evento inspirou a Pablo Picasso a pintar Guernica. Guernica se converteu progressivamente em ícone pela paz empregado recorrentemente desde âmbitos não institucionais e desde espaços não só artísticos, mas também de protesto, em mobilizações coletivas e através de geografias dispersas.

Guernica bombardeada (Fonte: Arquivo Nacional Espanhol)
Guernica bombardeada (Fonte: Arquivo Nacional Espanhol)

O quadro foi pintado em Paris, entre os meses de maio e junho de 1937 para a Exposição Internacional que naquele ano ocorria em Paris. Estas exposições ocorriam desde 1851 e eram eventos importantes nos séculos XIX e XX, funcionando como vitrines nas quais os países desenvolvidos apresentavam seus principais avanços tecnológicos e as vanguardas artísticas. O evento de 1937 estava marcado por uma grande tensão mundial, pois o ambiente era pré-bélico. O Governo Republicano Espanhol havia encomendado a Picasso um mural para o pavilhão espanhol.

Em entrevista concedida à televisão espanhola em 1980, o então diretor geral de Belas Artes da exposição de 1937, Josep Renau, conta que o governo espanhol lhe deu a missão de convidar artistas que estivessem vivendo em Paris naqueles tempos para criar algo para a exposição, e entre eles estavam Picasso, Miró e Dalí. Conta que foram convidados em dezembro de 1936, e que Picasso, até dois dias antes do bombardeio, não havia pintado nem uma linha, estava absolutamente bloqueado, muito deprimido. Conta Josep que tinha medo do que faria Picasso para expor sobre uma Espanha em combate (era época da Guerra Civil Espanhola). Diz Josep:

Então chega o Gernika. Ninguém lhe havia posto este nome, nem Picasso, nem ninguém. Mas está claro que o evento foi o motivo, foi o que o fez saltar, foi um parto doloridíssimo para Picasso. Picasso trabalhou depressa, fez uma quantidade de estudos que não tinha nada a ver com o que tinha feito antes. Foi uma espécie de ave fênix que renasce de suas cinzas. Picasso alcançou o pico, até o ponto em que eu não o chamo de Guernica, e sim de “o fenômeno Guernica”.

(Josep Renau)
Picasso pintando e com Dora Maar, sua amante na época da pintura.

Picasso realizou cerca de quarenta e cinco desenhos preparatórios, e cada um deles representava o processo criativo que havia sido repleto de questionamentos que acometem os artistas, que duvidam diante da construção de uma imagem. Dora Maar era a companheira de Picasso quando ele iniciou a pintura do quadro. Picasso pediu que ela fotografasse as etapas de execução deste, gerando um relato visual histórico incomparável do processo criativo e executivo desta obra magnífica. Veja a seguir as imagens em ordem de execução (créditos: Dora Maar, Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Espanha).

Já exposto no pavilhão, o quadro aparece intitulado como Guernica e representa naquele momento um alerta contra todo ataque a população civil. E este símbolo foi tão forte que, em 1939, quando se expõe em Londres, o Guernica é utilizado como uma tela de fundo como propaganda contra a guerra, a favor da paz, e contra a violência exercida contra a população civil.

Quando acabou a exposição em setembro de 1937, nenhum representante do governo espanhol solicitou o quadro, porque Espanha seguia em guerra. Picasso o levou para sua casa, e em 1938 circulou em uma exposição itinerante por Oslo, Copenhague, Estocolmo por seu galerista Paul Rosemberg. Tempos depois vai a Inglaterra para participar de outras exposições, até que em 1939 vai para Estados Unidos para mais uma série de exposições, tudo pago pelo Museu de Arte Moderna de Nova York – o MoMA. Devido ao início da Segunda Guerra Mundial, Picasso decidiu manter a pintura sob custódia do MoMA até o final da guerra – uma forma de preservar a segurança do quadro. Em 1958, o artista renovou o empréstimo da pintura ao MoMA por tempo indeterminado, até que as liberdades democráticas fossem restauradas na Espanha.

A partir de 1968, o general Franco, então no poder ditatorial de Espanha, tentou realizar manobras para recuperar o quadro, mas Picasso tinha claro que não mediria esforços para evitar tal evento que era absolutamente contrário ao espírito de denúncia à força, ao autoritarismo e à guerra que promovia dito governo naquela época e qualquer outro. Picasso assinou então com o MoMA um acordo em que o museu aceitava devolver o quadro a Espanha, assim que as liberdades públicas fossem estabelecidas no país, pois seu desejo era que a obra e os desenhos desta retornassem ao povo espanhol. Com a morte do general Franco, se começou a planejar o retorno do Guernica, e a obra finalmente retornou ao país em 1981, quando a democracia finalmente se instalou em Espanha.

O avião Jumbo de Ibéria IB 952 aterrizava no aeroporto de Barajas, Madrid, às 7.45 da manhã do dia 10 de agosto de 1981. Acompanhavam o óleo os 57 croquis e desenhos preparatórios que Picasso realizou da obra junto a um detalhado informe dos especialistas do MoMA sobre o estado e futura conservação do quadro a óleo. (Arquivo Histórico Espanhol)

Todas estas exposições foram utilizadas por Picasso para coletar fundos de ajuda para a população espanhola.
Anualmente os espanhóis, principalmente os museus e artistas, relembram o evento histórico como um símbolo contra qualquer tipo de governo ditatorial, pois no ano em que acabou a Guerra Civil Espanhola, 1939, iniciou o governo do General Franco, que instaurou a ditadura no país de 1939 a 1975 (ano de seu falecimento).

Te animo agora a ver o vídeo da canção “Al Alba”, de Luis Eduardo Aute (13 de setembro de 1943, Manila, Filipinas – 4 de abril de 2020, Madrid), interpretado por Rosa Leon. A canção tornou-se um hino de protesto simbólico cantado por aqueles que queriam mudanças nos tempos turbulentos do fim da ditadura de Franco e, especificamente, foi associado às mais recentes execuções do franquismo que ocorreram em 27 de setembro, 1975. De acordo com as próprias manifestações de Aute, a música não foi escrita de forma premeditada pensando naqueles condenados à morte. Ele tentou escrever uma canção contra a pena de morte, mas não estava satisfeito com os resultados. Então compôs essa canção de amor que a princípio não tinha nada a ver com as execuções. Quando ele apresentou o assunto a Rosa León, quem iria interpretá-lo, foi ela quem lhe disse que ele parecia estar contando a história de uma execução ao amanhecer. Poucos dias antes das execuções, quando Rosa, em um concerto, dedicou a música aos condenados, foi o momento em que essa música estava definitivamente ligada às execuções.

Letra da música “Al Alba”, de Luis Eduardo Aute:

Si te dijera, amor mío
Que temo a la madrugada
No sé qué estrellas son estas
Que hieren como amenazas
Ni sé qué sangra la Luna
Al filo de su guadaña

Presiento que tras la noche
Vendrá la noche más larga
Quiero que no me abandones
Amor mío, al alba
Al alba, al alba
Al alba, al alba

Los hijos que no tuvimos
Se esconden en las cloacas
Comen las últimas flores
Parece que adivinaran
Que el día que se avecina
Viene con hambre atrasada

Presiento que tras la noche
Vendrá la noche más larga
Quiero que no me abandones
Amor mío, al alba
Al alba, al alba
Al alba, al alba

Miles de buitres callados
Van extendiendo sus alas
¿No te destroza, amor mío
Esta silenciosa danza?
¡Maldito baile de muertos!
Pólvora de la mañana

Presiento que tras la noche
Vendrá la noche más larga
Quiero que no me abandones
Amor mío, al alba
Al alba, al alba
Al alba, al alba

E a seguir, uma representação em 3D da pintura Guernica, com música de fundo Al Alba.

Além de haver visitado o quadro de Picasso na Espanha, eu percorri este caminho para escrever o que pus neste texto. Te convido a percorrê-lo também e se emocionar:

Museo Reina Sofia: https://www.museoreinasofia.es/coleccion/obra/guernica

Video da BBC – ¿Qué significa el Guernica, la obra maestra de Picasso? : https://www.youtube.com/watch?v=uG15eEZa12Y

RTVE a la carta – Gernika, del horror al lienzo : https://www.rtve.es/alacarta/videos/cronicas/cronicas-gernika-del-horror-lienzo/5552908/

RTVE a la carta – La mitad invisible, El Guernica de Pablo Ruiz Picasso: https://www.rtve.es/alacarta/videos/la-mitad-invisible/mitad-invisible-guernica-pablo-ruiz-picasso/737608/

El bombardeo de Guernica: https://www.youtube.com/watch?v=ObuVHXdu8aE

La llegada del Guernica (1981): https://www.youtube.com/watch?v=9oVo0EhzV24

(2) Comentários

  • Joseane Souza 26 de abril de 2020 @ 18:26

    Maravilhoso texto, muito obrigada por compartilhar seu conhecimentos e ensinamentos, vc é uma professora e conhecedora da arte e do design como poucos. Muito obrigada!!! Bjs

    • Admin bar avatar
      Maria Pilar 26 de abril de 2020 @ 19:37

      Muito obrigada pela leitura e palavras de incentivo, professora Joseane! Beijos! Pilar

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