Novas exigências construtivas

Dia 21 de abril publiquei um texto no qual questiono o tamanho dos ambientes nas edificações multifamiliares de acordo com a atual legislação, e o quanto a especulação imobiliária, década após década, nos converteu em confinados ininterruptos em nossos lares, sem que nos déssemos conta ou fizéssemos algo a respeito. A pandemia chegou, obrigou a maioria a estar dentro de casa e simplesmente não havia espaço e condições de trabalhar várias horas ao dia nos ambientes como estavam configurados (poderá ver o texto aqui).

Pois hoje, dia 25 de abril o jornal El País da Espanha publica um texto exatamente sobre o mesmo assunto. O título, traduzido diz: “As vergonhas dos apartamentos espanhóis aparecem” (poderá ver o título aqui). A Espanha, assim como o Brasil, também deixou correr solto a especulação imobiliária, e as edificações multifamiliares expõem as pessoas a condições de vida, de 10 anos para cá, totalmente desumanas.

Edifício multifamiliar em Madrid, Espanha. Fonte: El País.

Assim como no Brasil, na Espanha os apartamentos de classe baixa e média carecem de boa qualidade de luz e ventilação natural, não têm uma sacada digna que sirva de “pulmão entre a rua e a casa”, como diz no artigo o arquiteto Julio Touza. No Brasil, certa medida de varanda aberta que avance sobre o limite máximo de ocupação do terreno é permitida sem contar na área total ocupada, mas qual construtora a inclui no projeto? Já aboliram faz tempo! No seu lugar, instalam janelas com umas dimensões absurdas de pequenas (também figura na legislação de dimensões mínimas) que permite pequena entrada da luz solar (também…se forem maiores… já “comem” toda a parede…) e com esquadrias sem peitoril e que não preveem o “corta-gotas”, causando um problema crônico nas edificações que é a humidade por infiltração de fora pra dentro por conta das chuvas (e pobre de ti se tua janela estiver voltada para o quadrante de maior incidência de ventos com chuvas).

A arquiteta Sonia Hernández-Montaño, coordenadora de saúde e arquitetura do Colegio de Arquitectos de Cataluña (equivalente a CAU no Brasil) complementa que faltam cuidados básicos com o conforte acústico (principalmente privacidade entre apartamentos) e falta a presença dos espaços externos. Faltam espaços diáfanos, que possam ser reconfigurados de acordo com as necessidades do morador e permitam um uso múltiplo confortável e seguro. Se não for assim, o lar se aproxima de uma prisão.

O que dizer das vistas que possuem os apartamentos? Muitos deles têm por vistas ou uma outra parede a três metros de distância, ou a varanda do vizinho, ou ainda uma avenida poluída e ruidosa com chaminés e fábricas. Poucas cidades grandes possuem apartamentos de classe média e baixa que têm o privilégio de voltar-se para uma praça ou uma montanha, pois estas áreas, cujo valor excede todo entendimento, estão reservadas para condomínios acessíveis à pontinha da pirâmide da distribuição de renda do país.

Edifício multifamiliar em Madrid, Espanha. Fonte: El País.

Na Espanha, o Colegio de Arquitectos está atendo àquilo que deixou de observar há tempos, mas pelo menos está reconhecendo publicamente que erraram e estão dispostos a fazer frente à legislação corrompida pela especulação imobiliária, pelo desespero dos arquitetos por conseguir projetos aceitando qualquer condição por desenvolver trabalho, e estão conscientizando a população sobre os problemas físicos e psicológicos de se viver num apartamento em que as condições básicas de ergonomia são ignoradas.

Estamos falando muito sobre que esta crise fará com que as pessoas saiam melhores. Mas me pergunto: melhores em quê, se a pressão que vem “de cima para baixo” anula toda a ilusão que possamos ter com nossos debates, nossos encontros para discutir soluções e alternativas, que quando muito, conseguimos uma migalha de vitória diante de uma montanha que nos faz calar por algum tempo.

Me desculpem, mas eu, que sempre fui otimista, hoje em dia me encontro extremamente realista (o que não significa acomodada).

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