Parâmetros mínimos construtivos: exigência que surge da crise.

Neste momento gostaria de me concentrar somente na parte pertinente ao espaço físico das edificações e trazer a seguinte reflexão: qual nosso papel como sociedade diante do novo cenário que a pandemia trouxe para a vida das pessoas em confinamento que precisam trabalhar em casa?

Já vimos que a grande maioria dos lares não está preparada para que um trabalhador que tem família (parceiro/a, filhos, outros familiares) desenvolva o teletrabalho de forma muito profissional. Quem teve a sorte de poder continuar seu trabalho desde casa, em grande parte teve que compartilhar o espaço físico com filhos correndo, gente passando de cá para lá, televisão a tope, cheiro de comida no ar. Como é possível se concentrar de verdade, assim? Por mais que alguém se imponha uma rotina diária rígida, se não tiver as condições de espaço e tecnologia adequados não terá o mesmo rendimento que teria num escritório em silêncio. E a segurança e sigilo de seu material de trabalho? Sim, confiamos em nossos familiares, mas não se trata de desconfiança, se trata de que acidentes acontecem e informações as vezes se tornam visíveis sem querer e podem ser espalhadas por equívoco (em todo o mundo existe a Lei de Proteção de Dados e quem a descumpre pode sofrer sanções).

Não estamos preparados para o teletrabalho. Nem os profissionais, nem as empresas, isto está claro, senão não haveria todo este medo e perigo de uma crise. Logicamente que há setores que não têm como escapar, como a hotelaria, mas a grande maioria das atividades do setor de serviços poderia fazer o trabalho à distância sempre ou pelo menos em emergências.

Considerando a atual legislação que permite para as residências multifamiliares uma metragem quadrada e cúbica absurdamente desumana, zero ergonômica, como podemos instalar um Home Office mais ou menos confortável, com privacidade e segurança dentro das residências? A velha e cansativa especulação imobiliária não para de comer nosso espaço privativo, a câmbio de cada vez um preço mais elevado do metro quadrado. E nós, os que vivemos dentro destes espaços, nós arquitetos, engenheiros e designers, o que fizemos ao longo destes anos com nossos conhecimentos para evitar que fossem aprovadas leis (neste exemplo a Lei Complementar 278, de  04 de abril de 2007) que permitissem dormitórios com dimensões de no mínimo 8,00 m2, sendo a menor parede de 2,40 m e pé-direito de 2,40 m? É impossível instalar uma bancada com computador neste ambiente se houver ainda cama e armário. Se fosse exclusivo para um Home Office estaria bem, mas sabemos que para uma família de classe média com um filho, comprar um imóvel com três dormitórios está fora de suas possibilidades. Quando eu estudava arquitetura em final dos anos de 1980, projetávamos com certa vergonha um dormitório com 10 m2, sendo o de casal com no mínimo 12 m2.

Atualmente a sala deverá ter no mínimo 10 m2(nem se ousa mais diferenciar sala de estar e sala de jantar). Como é possível instalar um Home Office num espaço assim, e ter ainda sofá, mesa de jantar, um móvel para a TV e uma circulação ao menos segura? Claro que um bom desenho de interiores vai conseguir colocar tudo lá dentro, mas podemos considerar realmente o espaço dedicado ao trabalho como confortável, silencioso e seguro quando é compartilhado com os demais membros da família?

Sei que muita gente se mobilizou e ainda se mobiliza nesta causa, mas infelizmente a especulação imobiliária continua com força total no Brasil e ganha a maioria das vezes. Por sorte, temos para nos salvar os espaços compartilhados de trabalho, os Coworking. Conheço um em Itajaí, Santa Catarina, que além de respeitar diversos aspectos de segurança e privacidade, ainda tem uma filosofia de trabalho compartilhado que vai na boa onda da economia colaborativa e circular, é a “Varanda Colaborativa”. Enquanto não conseguimos fazer com que os parâmetros construtivos da legislação urbana sejam de novo mais humanos, este tipo de espaço compartilhado de trabalho é a tendência do momento, e espero que fique!

Como a velha metáfora do sapo que vai para a panela em água morna e aos poucos é cozido sem perceber, creio que nos habituamos ano após ano a situações de dimensões mínimas das edificações multifamiliares muito injustas. Nos é decretado um confinamento obrigatório todos os dias e não percebemos. O mundo muda seus paradigmas, mas o mercado imobiliário para a grande massa da população continua sendo terrivelmente injusto e cada vez pior.

Soluções em design para o aproveitamento de espaço existem aos montes! Dez vivas aos designers de produto e aos que trabalham com projetos de interiores. Mas, é justo termos que criar tantas soluções que parecem que sempre deverão ser revistas para se adequar a espaços cada vez menores?

Oxalá possamos gozar de novas políticas públicas nas quais todas as cidades possam se desenvolver muito bem, evitando a saturação das grandes cidades e gerando tal tipo de especulação imobiliária. Há que se rever os parâmetros mínimos construtivos da legislação. Que sonho lindo realizado será aquele em que além do direito de ir e vir, tenhamos também o direito de estar no abrigo de nosso lar com conforto real outra vez, e não nos sintamos como que vivendo em ninhos de passarinhos.

Foram consultados:

Varanda Colaborativa – https://www.varanda.art.br/

Lei Complementar número 278, de 04 de abril de 2007, disponível em: https://bit.ly/2wZECFM

Código de obras de Florianópolis, disponível em: https://leismunicipais.com.br/codigo-de-obras-florianopolis-sc

Imagens: www.pixabay.com

Recomendo uma leitura interessante, em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.085/241

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