Primeiro veio a Corte, fugindo de Napoleão. Depois chegaram os artistas, partidários perseguidos do corso deposto. E junto implantaram aqui o Neoclassicismo.
A política européia vivia um momento agitado quando Dom João VI assumiu o Governo de Portugal, em 1792, devido à moléstia de Dona Maria I, sua mãe. A França e a Inglaterra enfrentavam-se numa luta econômica pelo controle de mercados. As cortes européias, buscando preservar o poder da nobreza, duramente golpeado desde o início da Revolução Francesa, agrupavam-se em torno de uma das duas grandes nações, que, para se enfrentarem, buscavam aliados no continente.
Já em meados do século XVII, a economia portuguesa estava vinculada à Inglaterra. Até as ligações entre o Brasil e a Metrópole, desde 1694, eram feitas em parte pelos navios ingleses. Em 1801, a França cobrou um preço bem alto pela tradicional aliança luso-inglesa: Napoleão convenceu a Espanha a atacar Portugal, que, para obter a paz, deveria, entre outras exigências, fechar seus portos aos navios da Inglaterra.
Diante de uma opção tão difícil, Dom João contemporizou o mais que pode. A Corte, por sua vez, dividiu-se, formando-se um bloco inglês, defensor da histórica aliança com Londres, e um grupo francês, que via na união com a França a possibilidade de eliminar o predomínio marítimo da Inglaterra.
Em 1807, os exércitos napoleônicos invadiram Portugal, e Dom João partiu para o Rio de Janeiro com sua Corte, grande parte do funcionalismo e uma comitiva de cerca de 15.000 pessoas. Deixava a defesa do Reino entregue à Inglaterra, que se encarregou de expulsar as tropas francesas de Portugal e, finalmente, com seus aliados, venceu Napoleão no ano de 1815, em Waterloo.
Para o Brasil, vida nova
Depois de uma escala em Salvador, a família real chegou ao Rio de Janeiro a 7 de março de 1808. No burgo colonial, com pouco mais de 50.000 pessoas, foi grande a agitação para acomodar os novos moradores. Ainda no clima de festa da acolhida, Dom João instalou-se no palácio dos vice-reis, preparando-se para governar. Escolheu um Ministério e tratou de por em funcionamento os organismos administrativos. Logo a Colônia começou a ganhar vida nova.
Quando esteve na Bahia, Dom João assinara a carta régia de 28 de janeiro de 1808. Como o comércio português ultramarino se achava interrompido, devido à ocupação do território metropolitano, franqueavam-se os portos da Colônia ao intercâmbio internacional, rompendo-se, assim, o monopólio mercantil da Coroa.
Um mês depois de sua chegada, Dom João revogou o decreto de 1785, que impedia a existência de indústrias no Brasil; mais tarde, liberou o plantio de oliveiras e amoreiras, e criou, por ato governamental, o Banco do Brasil.
Embora não fosse culto, Dom João admirava e respeitava a erudição, preocupando-se em garantir a formação de uma elite civil e militar. Assim, em sua bagagem, veio a primeira tipografia, que começou a funcionar em 13 de maio de 1808, imprimindo livros científicos, literários e um jornal – A Gazeta do Rio de Janeiro. Por sugestão do Conte de Linhares, o príncipe regente estimulou a criação de museus, bibliotecas e escolas. Sucessivamente foram criados diversos estabelecimentos de ensino superior. Professores, cientistas e artistas estrangeiros vieram participar da organização das escolas. Dentre eles destacam-se, por sua importância, os integrantes da Missão Artística Francesa, que chegou ao Rio de Janeiro em 1816.
Convite ou permissão?
São ainda obscuras as circunstâncias que deram origem à Missão Artística Francesa. De acordo com alguns estudiosos, a iniciativa de formá-la deveu-se ao Marquês de Marialva, que nisso teria sido aconselhado pelo naturalista Humboldt. Depois de obter o consentimento do Conde da Barca, ministro dos Assuntos Estrangeiros de Dom João VI, o marquês teria convidado os artistas franceses.
Outros, porém, acreditam que esses artistas, envolvidos com problemas políticos, procuraram o Brasil como refúgio. O pesquisador Donato Melo Júnior conseguiu localizar cartas do pintor Nicolas-Antoine Taunay à rainha de Portugal, rogando-lhe que persuadisse Dom João a contratá-lo, e a seus companheiros de Missão, para lecionar no Brasil.
Isso justifica os termos da carta régia de 12 de agosto de 1816, em que Dom João afirmou desejar “aproveitar desde já a capacidade, habilidade e ciência de alguns estrangeiros beneméritos, que têm buscado a minha real e graciosa proteção”, fazendo-lhes “mercê para a sua subsistência” de um estipêndio ou pensão; e justifica igualmente a má vontade e o pouco caso com que os artistas brasileiros e os portugueses aqui radicados receberam Lebreton e seus companheiros no Rio de Janeiro.
Convidados ou não, o fato é que a 26 de março de 1816 chegavam à baía da Guanabara, a bordo do Calpe, Joaquim Lebreton, chefe da Missão, antigo secretário da classe de Belas-Artes do Instituto de França, demitido por questões políticas quando subiu ao trono Luís XVIII; Nicolas-Antoine Taunay, pintor de gênero e de batalhas, membro do Instituto; Jean-Baptiste Debret, pintor de história; o arquiteto Auguste-Henri-Victor Grandjaen de Montigny; o escultor Auguste-Marie Taunay: o gravador Charles Simone Pradier; o compositor Segismund Neukom; e ainda artífices e ajudantes, como o mecânico Fraçois Ovide, o serralheiro Nicolas Magliori Enout, o ferreiro Jean-Baptiste Level, os curtidores Pilité e Fabre, e os carpinteiros Louis-Joseph e Hippolyte Roy, além do comerciante Pierre Dillon, com a função administrativa de secretariar Lebreton.
É difícil, hoje, entender a composição desse conjunto, que incluía o grande pintor Taunay e o obscuro curtidor Pilité; certamente, a ideia original foi fundar um liceu de artes e ofícios – o que explica o título dado, a 13 de agosto de 1816, ao organismo então criado: Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios. Essa ideia evoluiu, como se deduz dos diversos nomes que recebeu sucessivamente a instituição: Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, Academia das Artes, Academia Imperial das Belas-Artes e, em 1826, Imperial Academia e Escola de Belas-Artes.
Todas essas alterações demonstram as dificuldades com que a Missão deparou no Brasil; dificuldades que aumentaram ainda mais depois da morte de Lebreton, em 1819, quando o pintor português Henrique José da Silva se tornou o diretor da Academia, por indicação do seu protetor, Barão de São Lourenço. Este ocupava o cargo do Conde da Barca, falecido em 1817, e, ao contrário de seu antecessor, que protegia os franceses, dava preferência à prata da casa, favorecendo seus compatriotas portugueses, e mesmo os brasileiros.
Nicolas-Antoine Taunay não conseguiu resistir à oposição que o novo diretor lhe movia, e em 1821 retornou à França. Mais obstinado, Debret permaneceu no Brasil ainda dez anos, até ver consagradas suas ideias sobre o ensino artístico. Chegou a formar excelentes discípulos e tornou-se a mola mestra da Missão, que, não fora por sua pertinácia, teria redundado em completo fracasso.
Referências:
Arte no Brasil. –São Paulo: Ed. Abril, 1979. Volume 1.